domingo, 17 de agosto de 2025
Troyjo: “Ninguém percebeu o iceberg à frente”

Troyjo: “Ninguém percebeu o iceberg à frente”

Ex-presidente do Banco do Brics, Marcos Troyjo fala sobre as relações EUA-Brasil e diz que o governo brasileiro não deveria os norte-americanos.

17 de agosto de 2025

Marcos Troyjo: “Parece que o governo brasileiro prefere oferecer auxílios e bolsas às empresas afetadas em vez de negociar as tarifas”

O economista, cientista político e diplomata Marcos Troyjo avalia a guerra comercial entre Estados Unidos e Brasil como “potencialmente muito negativa”. Segundo ele, uma retaliação brasileira pode impactar em investimentos no país, acarretando em desempregos, desaquecimento da atividade econômica e até a dificuldade de encontrar mercados alternativos para os produtos que eram enviados aos EUA.

Em entrevista ao EMPREENDER EM GOIÁS, Troyjo afirma que houve certa “complacência” por parte do Brasil. E que ainda não foi percebido os efeitos disto a longo prazo. Destacou ainda: “teremos um período conturbado até as próximas eleições”.

Para ele, apesar da aproximação comercial entre o Brasil com a China, que tem adquirido uma quantidade de produtos retidos, o governo federal não deveria desprezar a relação com os EUA. Indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, Troyjo foi o segundo presidente do Banco do Brics, atualmente Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), ficando no cargo entre 2020 e 2023.

Confira os principais trechos desta entrevista:

O assunto do momento é a questão econômica brasileira. Como o senhor avalia o tarifaço dos EUA e a reação do Brasil?

É uma situação potencialmente muito negativa, porque estamos falando da maior economia do mundo, que importa cerca de 3,6 trilhões de dólares por ano. Antes mesmo do tarifaço, o Brasil já tinha uma participação pequena nesse mercado — exporta para os EUA cerca de 40 bilhões a 41 bilhões de dólares por ano, pouco mais de 1,1% do que os americanos compram.

Qual o impacto específico para os estados brasileiros?

Estados como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Paraná e São Paulo têm no mercado americano, e não no chinês, o principal comprador dos seus produtos de maior valor agregado. O setor industrial é o mais prejudicado.

Quais produtos foram atingidos?

Desde o início de agosto, produtos como café, carne bovina e máquinas e equipamentos passaram a ter tarifas de 50%, o que representa de 6 bilhões a 7 bilhões de dólares das exportações brasileiras. Não é um valor pequeno. Café, carne bovina, máquinas e equipamentos foram diretamente afetados, atingindo cerca de 67 bilhões de dólares em exportações brasileiras.

Quais as consequências econômicas?

Isso pode gerar desemprego, desaquecimento da atividade econômica e dificuldade em encontrar mercados alternativos para esses produtos. É um problema sério.

Como o senhor avalia a postura do governo brasileiro?

Houve certa complacência. Ninguém percebeu o “iceberg” à frente. Agora, parece que o governo prefere oferecer auxílios e bolsas às empresas afetadas. Eu acho que eles apostam que isso acaba produzindo mais dividendos político-eleitorais, em vez de buscar a redução das tarifas.

“Teremos um período conturbado até, pelo menos, outubro do ano que vem, quando acontecem as eleições presidenciais no Brasil.”

Qual a perspectiva até o próximo ano?

Realisticamente, teremos um período conturbado até, pelo menos, outubro do ano que vem, quando acontecem as eleições presidenciais no Brasil. A partir daí, poderemos ter um cenário menos turbulento.

E quanto a possíveis retaliações comerciais?

Entre todos os países afetados pelas tarifas americanas, apenas Canadá e China retalharam. O Canadá tem forte integração comercial com os EUA. A China, com uma economia de 20 trilhões de dólares, usa a retaliação como estratégia de negociação. No caso do Brasil, retaliar agora poderia prejudicar mais nossos produtores e nossas empresas do que as americanas.

O senhor vê uma mudança na política comercial brasileira?

Sim. O Brasil tem se aproximado mais da China e, de certa forma, negligenciado o relacionamento com os EUA, que é histórico e importante. Hoje exportamos mais para a China do que para os EUA e União Europeia juntos. Porém, quando falamos de investimento estrangeiro direto, o fluxo e o estoque americanos no Brasil ainda são maiores que os chineses.

Como o Brasil deveria agir diante da disputa entre EUA e China?

Deveria extrair benefícios pontuais de ambos. Os chineses têm mais capacidade de absorver nossos produtos, mas não podemos abrir mão do relacionamento com os EUA. Somos ocidentais e temos complementaridade econômica com os americanos.

E o papel das cooperativas nesse contexto?

As cooperativas ajudam a reduzir riscos e custos, fortalecendo as negociações. Porém, no caso das tarifas, o impacto será desigual. Por exemplo, o café — produto fortemente exportado por cooperativas — está na lista dos 50% de tarifas, o que prejudica o setor.

Existe impacto sobre o acesso a capital e investimentos?

Sim. Se houver tensão entre Brasil e EUA, investidores americanos podem adiar decisões, o que afeta a atividade econômica como um todo, não apenas o cooperativismo.

Há chance de solução no curto prazo?

Pode haver, se houver alianças diretas entre exportadores brasileiros e importadores americanos que dependem dos nossos produtos. O governo americano costuma ouvir mais suas empresas do que negociar com governos estrangeiros. Alguns setores já conseguiram avanços, como a Embraer, o açúcar e a laranja. Mas máquinas e equipamentos ainda enfrentam barreiras.

E uma solução definitiva?

Depende das eleições presidenciais no Brasil. Um governo mais alinhado comercialmente com os EUA pode facilitar a redução das tensões.

Wanderley de Faria é jornalista especializado em Economia e Negócios, com MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela FIA/FEA/USP - BM&FBovespa

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