Ex-presidente do Banco do Brics, Marcos Troyjo fala sobre as relações EUA-Brasil e diz que o governo brasileiro não deveria os norte-americanos.
O economista, cientista político e diplomata Marcos Troyjo avalia a guerra comercial entre Estados Unidos e Brasil como “potencialmente muito negativa”. Segundo ele, uma retaliação brasileira pode impactar em investimentos no país, acarretando em desempregos, desaquecimento da atividade econômica e até a dificuldade de encontrar mercados alternativos para os produtos que eram enviados aos EUA.
Em entrevista ao EMPREENDER EM GOIÁS, Troyjo afirma que houve certa “complacência” por parte do Brasil. E que ainda não foi percebido os efeitos disto a longo prazo. Destacou ainda: “teremos um período conturbado até as próximas eleições”.
Para ele, apesar da aproximação comercial entre o Brasil com a China, que tem adquirido uma quantidade de produtos retidos, o governo federal não deveria desprezar a relação com os EUA. Indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, Troyjo foi o segundo presidente do Banco do Brics, atualmente Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), ficando no cargo entre 2020 e 2023.
Confira os principais trechos desta entrevista:
É uma situação potencialmente muito negativa, porque estamos falando da maior economia do mundo, que importa cerca de 3,6 trilhões de dólares por ano. Antes mesmo do tarifaço, o Brasil já tinha uma participação pequena nesse mercado — exporta para os EUA cerca de 40 bilhões a 41 bilhões de dólares por ano, pouco mais de 1,1% do que os americanos compram.
Estados como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Paraná e São Paulo têm no mercado americano, e não no chinês, o principal comprador dos seus produtos de maior valor agregado. O setor industrial é o mais prejudicado.
Desde o início de agosto, produtos como café, carne bovina e máquinas e equipamentos passaram a ter tarifas de 50%, o que representa de 6 bilhões a 7 bilhões de dólares das exportações brasileiras. Não é um valor pequeno. Café, carne bovina, máquinas e equipamentos foram diretamente afetados, atingindo cerca de 67 bilhões de dólares em exportações brasileiras.
Isso pode gerar desemprego, desaquecimento da atividade econômica e dificuldade em encontrar mercados alternativos para esses produtos. É um problema sério.
Houve certa complacência. Ninguém percebeu o “iceberg” à frente. Agora, parece que o governo prefere oferecer auxílios e bolsas às empresas afetadas. Eu acho que eles apostam que isso acaba produzindo mais dividendos político-eleitorais, em vez de buscar a redução das tarifas.
“Teremos um período conturbado até, pelo menos, outubro do ano que vem, quando acontecem as eleições presidenciais no Brasil.”
Realisticamente, teremos um período conturbado até, pelo menos, outubro do ano que vem, quando acontecem as eleições presidenciais no Brasil. A partir daí, poderemos ter um cenário menos turbulento.
Entre todos os países afetados pelas tarifas americanas, apenas Canadá e China retalharam. O Canadá tem forte integração comercial com os EUA. A China, com uma economia de 20 trilhões de dólares, usa a retaliação como estratégia de negociação. No caso do Brasil, retaliar agora poderia prejudicar mais nossos produtores e nossas empresas do que as americanas.
Sim. O Brasil tem se aproximado mais da China e, de certa forma, negligenciado o relacionamento com os EUA, que é histórico e importante. Hoje exportamos mais para a China do que para os EUA e União Europeia juntos. Porém, quando falamos de investimento estrangeiro direto, o fluxo e o estoque americanos no Brasil ainda são maiores que os chineses.
Deveria extrair benefícios pontuais de ambos. Os chineses têm mais capacidade de absorver nossos produtos, mas não podemos abrir mão do relacionamento com os EUA. Somos ocidentais e temos complementaridade econômica com os americanos.
As cooperativas ajudam a reduzir riscos e custos, fortalecendo as negociações. Porém, no caso das tarifas, o impacto será desigual. Por exemplo, o café — produto fortemente exportado por cooperativas — está na lista dos 50% de tarifas, o que prejudica o setor.
Sim. Se houver tensão entre Brasil e EUA, investidores americanos podem adiar decisões, o que afeta a atividade econômica como um todo, não apenas o cooperativismo.
Pode haver, se houver alianças diretas entre exportadores brasileiros e importadores americanos que dependem dos nossos produtos. O governo americano costuma ouvir mais suas empresas do que negociar com governos estrangeiros. Alguns setores já conseguiram avanços, como a Embraer, o açúcar e a laranja. Mas máquinas e equipamentos ainda enfrentam barreiras.
Depende das eleições presidenciais no Brasil. Um governo mais alinhado comercialmente com os EUA pode facilitar a redução das tensões.