Mas as mulheres enfrentam ainda dificuldades de acesso ao crédito, informalidade e falta de capacitação para abrirem e tocarem um negócio.
Empreender como forma de transformação de vida e proporcionar uma educação melhor para os filhos. Foi assim que Dalila de Andrade Milagres encontrou sentido ao montar a Quitutes do Cerrado. Empresa especializada na produção de empadas e do famoso empadão goiano, em Alto Paraíso, no Nordeste de Goiás.
Dalila está há oito anos no mercado. Antes da gastronomia, trabalhava no ramo da mineração, atividade que proporcionou a ela conhecer várias cidades brasileiras. Morou em Florianópolis (SC) após se separar do marido, onde especializou as habilidades na culinária.
Quando se mudou para a cidade goiana, notou que havia um nicho bom para ser explorado, que seria o de salgados. Dalila afirma que chegou a produzir uma grande variedade, mas preferiu focar nas empadas para levar um produto de mais qualidade.
“Eu percebi que, quando a gente ia numa lanchonete aqui no interior de Goiás, tinha todo o tipo de salgado, menos a empada. E, muitas vezes, a gente acha que precisa abrir o leque, mas é o oposto. Só existe uma Coca-Cola, por exemplo. E focar na empada me ajudou a levar um produto mais otimizado para o meu cliente”, diz ao EMPREENDER EM GOIÁS.
A fábrica hoje funciona no primeiro andar da casa em que mora na cidade. Atualmente, ela atende sete lanchonetes e pretende expandir esse número. Mas, para isso, Dalila precisa aumentar a produção. A modeladora se tornou uma grande aliada dela.
A empreendedora conta que, com o maquinário, conseguiu dobrar a produção. “Eu fazia cerca de 150 empadinhas na mão. Hoje, eu faço umas 300 a 400. Além disso, eu tenho poucas perdas por causa da modelação. A cada 100, eu perco no máximo cinco empadas”, destaca.
A máquina foi adquirida após vários workshops que ela fez para lhe ajudar a cuidar das finanças da empresa. Entretanto, Dalila conta que há muita burocracia ainda a ser superada diariamente quando falamos em empreender.
Ela destaca a demora para conseguir a licença estadual, que só pode ser emitida diante de mudanças estruturais que ela precisaria fazer no espaço. Aí vem mais um problema: o dinheiro para fazer essas adequações.
Recentemente, Dalila pegou um financiamento através do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) para adquirir outro veículo para facilitar as suas viagens a Brasília (DF). Ela vai à capital federal para adquirir insumos da produção das empadas.
“Eu tinha um Fiat Uno que vinha abarrotado de coisas, mas ele não estava comportando a minha necessidade. Eu assisti uma reportagem que quem é Microempreendedor Individual (MEI) poderia ter crédito para troca de veículo. Assim eu fiz. Entrei em uma loja aleatória em Brasília e gostei da caminhonete. Ao preencher os dados, eu consegui e passei”, destaca.
Para a empresária, a caminhonete proporcionou mais tempo para se dedicar à produção dos salgados. De duas idas à capital federal a cada 15 dias, essa viagem reduziu para uma no mês.
“É um conforto e consigo trazer mais matéria-prima. Antes, por exemplo, eu comprava quatro caixas de manteiga. Agora eu compro dez. Por causa disso, eu consigo vender o dobro no mesmo mês. Eu fechei setembro com a venda de 3,3 mil empadas. Esse novo carro me proporcionou ficar menos cansada e me dar mais dias de trabalho”, conta.
Apesar disso, Dalila conta que ser mulher nesse ramo ainda tem seus percalços. Pontua que já passou por situações de descrédito quando foi apresentar seus produtos para possíveis novos clientes. E destaca ainda que acredita que, se tivesse ainda mais facilidade ao crédito, poderia realizar a expansão da fábrica e chegar em outras cidades com as empadas.
“Eu penso todo dia em fazer um novo empréstimo para ter mais maquinários. Preciso de um dosador, que iria rechear as empadas com a quantidade certa, mas fica um receio. É tão difícil. São tantos fatores: burocracia, mercado, o receio de não conseguir pagar. É um medo real diante de todos os cenários”, afirma.
Apesar de tudo, Dalila se sente orgulhosa em ter o próprio negócio. É por meio dele que ela tem conseguido proporcionar uma qualidade de vida para os dois filhos, que têm dois e oito anos, conhecer novos lugares e até mesmo ter mais conhecimento na área da gastronomia.
O obstáculo de acesso ao crédito é um gargalo reconhecido até mesmo pelo Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (MEMP). Segundo a pasta, entre os principais desafios estão a desigualdade salarial — as mulheres ganham até 22% menos do que os homens, mesmo sendo mais instruídas — e a sub-representação em setores de maior valor agregado e nos mercados internacionais.
Além disso, a pasta pontua que estereótipos sociais reforçam a sobrecarga e limitam as oportunidades de crescimento do empreendedorismo, como a dupla ou tripla jornada de trabalho, a falta de tempo para capacitação, a exclusão digital, e a ausência de redes de apoio. Dessa forma, as mulheres enfrentam um conjunto de dificuldades interligadas que restringem seu potencial de inovação e expansão, perpetuando desigualdades históricas.
Segundo dados do Perfil da Empreendedora Goiana, realizado pelo Sebrae, 350 mil mulheres atuam como empreendedoras em Goiás, com faixa etária média de 42 anos. O número é 21% das mulheres ocupadas no estado.
Além disso, 45% delas têm o ensino médio incompleto a completo e 35% têm o ensino superior incompleto ou completo. Em relação à regularização, 61% ainda não contam com CNPJ, enquanto 39% estão formalizados.
Além disso, 45% delas têm o ensino médio incompleto a completo e 35% têm o ensino superior incompleto ou completo. Em relação à regularização, 61% ainda não contam com CNPJ, enquanto 39% estão formalizados.
O estudo ainda destaca que quatro em cada dez mulheres começam a empreender dentro de casa, como Dalila. Entre os motivos para empreender dentro do lar estão: redução de custos e otimização do tempo; maior facilidade para conciliar trabalho e família; a facilidade de trabalhar com negócios digitais; e possibilidade de experimentar um novo produto ou serviço com riscos reduzidos.
As entidades enxergam a dificuldade de acesso ao crédito e a necessidade de uma educação financeira como problemas a serem enfrentados. Segundo a superintendente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) Goiânia, Hélia Gonçalves, a entidade tem trabalhado nessa desburocratização e facilidade do crédito para o microempreendedor. Além de fomentar o acesso aos de pequeno e médio portes.
“Nós temos tanto parceria com a Sicredi, como também com a garantidora, que é a GarantiGoiás, para ser esse elo entre o banco e o crédito para o pequeno empresário”, destaca. Hélia apresentou ainda a Escola de Negócio da CDL Goiânia, que tem várias captações gratuitas e workshops para levar conhecimento para essas empreendedoras e colocá-las dentro da formalidade.
“Nós temos aqui o Sou MEI, que é um plano voltado para MEI, que tem desde a parte do endereço fiscal, certificado digital, dentro do nosso plano, para ajudar essa pequena empreendedora nessa jornada de formalização dela, do negócio, e também as capacitações por meio da escola de negócios”, afirma.
Dentro dessas capacitações, segundo a superintendente, a empreendedora consegue proporcionar uma gestão de forma eficaz da empresa, ter um equilíbrio financeiro e uma sustentabilidade para romper os desafios do negócios.
“A mulher tem uma força que é impressionante, é nato. E é importante acreditar no seu potencial, saber que aquilo que ela tem o dom de fazer vai realmente suprir a sua necessidade, vai gerar valor para o outro. Então ela pode buscar a CDL Goiânia para pegar uma instrução, buscar o próprio Sebrae para fazer a abertura do seu MEI para formalização do seu negócio. Com certeza, se ela começar a participar de todas as oportunidades que a Escola de Negócios da CDL Goiânia traz para esse público, ela vai conseguir ter uma jornada muito mais leve, embasada e respaldada pelo conhecimento desse mundo do empreendedorismo”, pontua.
Para a advogada Maria Helena Corselli, que é especialista em Direito Empresarial, infelizmente a questão do gênero ainda pode pesar na hora da análise para ter acesso à linha de crédito. E não apenas isso: pode impactar até mesmo na taxa de juros desse empréstimo ou financiamento.
“Já não é fácil você ser empreendedor. Aí quando falamos do empreendedorismo feminino, as barreiras são ainda maiores. Se o banco analisa que, por ser mulher, que o gênero feminino influencia no risco de inadimplência, ele coloca uns juros maiores”, explica.
Maria destaca ainda que a informalidade é um fator alto para dificultar o acesso ao crédito. Segundo ela, para conseguir um crédito facilitado é necessário ter uma boa relação com o banco.
“A primeira coisa que a mulher empreendedora deve fazer é abrir o MEI. Não comece na informalidade. Ainda que as circunstâncias do começo sejam difíceis, que são para quaisquer empreendedores, mas para a mulher é ainda mais complicado. Mas comece abrindo o MEI. Não pense porque você trabalha em casa que não tenha essa necessidade. A taxa que paga por mês, o imposto que é pago mensal é barato e vai melhorar o relacionamento com o banco”, pontua.
Somado a tudo isso, as mulheres empreendedoras podem contar ainda com o Elas Empreendem, política estruturante instituída em 2024 pelo Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (MEMP). Ela articula governo, setor privado e sociedade civil na promoção da inclusão social e econômica por meio do empreendedorismo feminino. São quatro eixos estruturantes: acesso ao mercado, tecnologia e inovação, crédito e educação empreendedora.
O funcionamento da estratégia se dá por meio de um modelo de governança em rede. O Comitê de Empreendedorismo Feminino, formado por ministérios, bancos, Sebrae e organizações da sociedade civil, é responsável por propor, monitorar e avaliar a implementação das ações e acompanhamento dos resultados.
Já as Comissões Temáticas apoiam o Comitê no detalhamento e execução das iniciativas, promovendo debates, estabelecendo parcerias e ampliando a inclusão e equidade em diferentes realidades regionais e sociais.
Na prática, cada Comissão elabora um plano de trabalho anual que organiza as prioridades, metas e entregas. As reuniões mensais servem para acompanhar a execução das atividades, colher insumos de especialistas convidados e integrar ações com outros órgãos e entidades. Assim, vai criando um ciclo contínuo de diagnóstico, planejamento, implementação e avaliação, garantindo que a Estratégia se mantenha dinâmica e alinhada às necessidades reais das empreendedoras.
Além do “Elas Empreendem”, o Ministério oferece o programa ProCred 360, uma linha de financiamento voltada a MEIs e microempresas. Nesse programa, há um diferencial para mulheres: enquanto empresas em geral podem acessar crédito de até 30% do faturamento do ano anterior, os negócios liderados por elas têm direito a até 50%.
Ele está disponível para ser solicitado via Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco e, em breve, demais bancos. Essa medida busca corrigir desigualdades históricas no acesso ao crédito, permitindo que empreendedoras possam expandir seus negócios com mais segurança e competitividade.