quinta-feira, 5 de dezembro de 2024
A liberdade do ‘anywhere office’

A liberdade do ‘anywhere office’

“Meu escritório é na praia, eu tô sempre na área!”. Quem é fã do saudoso e talentosíssimo Chorão, líder da banda Charlie Brown Jr., sabe muito bem que o trecho retirado do hit “Zoió de Lula” não tem nada a ver com qualquer tratado sobre um novo modelo ou sistema de trabalho. Mas, o genial artista, mesmo que sem querer, já via o prenúncio de uma nova era: a do anywhere office, ou em português mais claro “escritório em qualquer lugar”.

17 de dezembro de 2021

Paulo Renato Alves

“Meu escritório é na praia, eu tô sempre na área!”. Quem é fã do saudoso e talentosíssimo Chorão, líder da banda Charlie Brown Jr., sabe muito bem que o trecho retirado do hit “Zoió de Lula” não tem nada a ver com qualquer tratado sobre um novo modelo ou sistema de trabalho. Mas, o genial artista, mesmo que sem querer, já via o prenúncio de uma nova era: a do anywhere office, ou em português mais claro “escritório em qualquer lugar”.

Sim, num mundo altamente conectado como o de hoje o seu escritório pode ser na praia, à beira do rio, no bar, num café, numa lanchonete e até na praça. A pandemia da Covid-19 nos enclausurou num home office improvisado e agora, quase dois anos depois dessa reviravolta na vida e na rotina de muita gente, descobrimos que não iremos mais nos apoderar dos espaços como antes.

Uma pesquisa feita no fim de 2020 pela consultoria Robert Half com 1.500 executivos na Alemanha, Bélgica, Brasil, França e Reino Unido já revelava essa mudança de comportamento. O levantamento ouviu de 95% dos entrevistados que o modelo de trabalho híbrido, com rodízio entre home office e o escritório, é visto como uma alternativa permanente nesta realidade pós-pandemia. O mesmo estudo mostra que, se pudessem escolher, 62% dos trabalhadores não voltariam ao esquema anterior, de ir todos os dias ao escritório, e fariam home office de uma a três vezes por semana. 

O termo anywhere office não chega a ser uma novidade, pois há um bom tempo, em grandes metrópoles como Nova Iorque, Londres e Paris, você já tinha essa tendência de profissionais que não precisavam de um espaço convencional, seja um escritório ou home-office, para trabalhar. 

Profissionais como jornalistas, advogados, designers, programadores, arquitetos e publicitários podem facilmente realizar suas atividades de um café, ou de um restaurante, de um shopping ou de qualquer lugar que haja uma boa conectividade e o mínimo de conforto necessário para trabalhar. 

Embora home office e anywhere office sejam conceitos que já existem há algum tempo, a pandemia confirmou que esses modais de trabalho funcionam. Fomos obrigados a encontrar alternativas de conexão e convivência sem estarmos no mesmo lugar, assim empresas e colaboradores se permitiram conhecer essas novas relações de trabalho. 

Na praia, na serra, na capital ou no interior, num café ou num shopping, o seu escritório passa a ser onde você se sente confortável para produzir. Porém, essa liberdade tem um preço, ou melhor, uma grande exigência: disciplina. Quando se tem um escritório ou uma base de trabalho, você termina o seu expediente e deixa esse trabalho para trás, mas quando você anda com o escritório no bolso, aí é bem diferente. Com a possibilidade de se trabalhar de qualquer lugar, o espaço pode ser livre, mas o tempo, este precisará ser ainda melhor investido. Você precisa separar de forma bem definida, no seu dia a dia, os momentos de convivência com a família, do lazer, de aprendizado e do trabalho. 

Como dito antes, no cenário pós-pandemia, não iremos nos apoderar dos espaços da mesma forma, especialmente os corporativos e isso irá impactar a produção arquitetônica. O grande desafio em pensar os espaços das empresas a partir de agora é a personalização. 

Temos hoje uma desconstrução do modelo de trabalho que era adotado pela grande maioria das empresas, por isso, os novos projetos para ambientes corporativos serão completamente diferentes do que já foi feito até hoje. Não será apenas uma mudança na organização do espaço, no mobiliário ou na paleta de cores. Cada empresa terá seu modus operandi e o desafio da arquitetura moderna está aí: pensar o ambiente de trabalho de forma única, para atender à rotina da empresa que também é única. 

A possibilidade de trabalho de qualquer lugar, essa liberdade de tempo e espaço, impõe outro grande desafio à arquitetura: pensar espaços multidisciplinares, ambientes preparados para o lazer, a convivência e o trabalho. Grandes metrópoles globais já têm esses espaços multifuncionais há muito tempo. Cafés, lanchonetes ou restaurantes que funcionam 24 horas justamente para atender esses profissionais que não tem hora ou lugar específicos para o trabalho.

Para gerações mais antigas, acostumadas com o padrão de trabalho estilo à Revolução Industrial do fim do Século XIX, esse cenário de liberdade pode parecer caótico, mas certamente as novas e futuras gerações já começam a entender o seu tempo-espaço de um jeito bem diferente. 

Essa era do compartilhamento nos trará uma mistura de culturas e ideias ainda maior. Nos levará a relações mais ricas e diversas. Você poderá, por exemplo, num coworking que funcione num shopping ou num café, conviver com um jornalista, com um arquiteto, um advogado, um escritor, com um designer, um publicitário, um programador de TI. Poderemos, não só furar bolhas, como agregar à nossa vida pessoal e profissional muito mais conhecimento e contatos.

Teremos espaços que serão para trabalhar, para descansar, para o lazer, para o aprendizado, mas também continuaremos tendo as opções de como era antes, para quem gosta de separar as coisas, ou seja, a palavra de ordem, após o enclausuramento pandêmico, é liberdade.

Paulo Renato Alves é arquiteto, urbanista, sócio da Norden Arquitetura e um adepto do anywhere office

Paulo Renato Alves é arquiteto, urbanista, sócio da Norden Arquitetura e um adepto do anywhere office

Deixe seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Não será publicado.