O clima seco, agravado ainda mais pelas mudanças climáticas, não é novidade. Todos sabem que durante este período qualquer fagulha pode tomar proporções quase incontroláveis. Por que, então, demorou tanto para tomar ações mais enérgicas para combater os incêndios?
Recentemente, os chefes dos Três Poderes reuniram-se para discutir o que poderia ser feito para reagir às intensas queimadas que assolam o país. Anunciou-se dois dias depois, por fim, um crédito extraordinário de R$514 milhões para ações emergenciais.
O ministro Flávio Dino, do STF, autorizou anteriormente a liberação dos recursos que ficam de fora da meta de déficit fiscal – esse é um tema que, verdadeiramente, é emergencial e cumpre a função do estado.
O valor deve ser utilizado para adquirir materiais e equipamentos, além de contratar serviços especializados no combate às queimadas, como aeronaves, viaturas e brigadistas. A Polícia Federal também receberá parte dos recursos para fortalecer a missão de investigar a origem dos incêndios.
Os governadores Ronaldo Caiado e Mauro Mendes criticaram duramente o governo federal pela “procrastinação”, indicando que certas medidas podem demorar a se concretizar, como a aquisição de equipamentos e contratação de pessoal, e que as chuvas podem chegar antes disso – mais uma vez, temos São Pedro nos auxiliando.
Após a demora e a dificuldade de implementação dos recursos para o Rio Grande do Sul, o país, novamente, demora a atender o produtor para combater os incêndios que atingem áreas em 60% do território nacional.
De acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o setor tem impacto estimado em R$ 14,8 bilhões em mais de 2,8 milhões de hectares incendiados. Há que se pensar, ainda, no impacto da produtividade das áreas atingidas e de potenciais diminuições na safra – tema importantíssimo ao seguro rural, que deveria ser a segurança do produtor e vem passando por cortes frequentes.
Para o Executivo federal, “alguns setores tentam criar confusão”, dando a entender que produtores rurais estão ateando fogo nas próprias lavouras com a intenção de desestabilizar a imagem do governo e sugerindo o confisco de terras de autores de incêndios criminosos.
É inadmissível e inimaginável colocar fogo em na produção que garante a sua subsistência e o abastecimento da sua família ou mesmo ter de responder por atos que não foram causados pela ação ou omissão do produtor. Este raciocínio é incoerente, já que são os próprios produtores os principais prejudicados com os incêndios. De acordo com Caiado, os prejuízos apenas no estado de Goiás chegam a R$1,5 bilhão, com 102 mil hectares de áreas produtivas destruídas.
Além disso, declarações internacionais que não focam na resolução do problema geram ainda mais desgaste, evidenciando a disparidade entre a prática produtiva sustentável – e que aboliu a utilização de fogo há mais de 10 anos e possui protocolos ambientais robustos, como no setor sucroalcooleiro.
Ainda, o Decreto nº 12.189/2024, contribui para o combate aos incêndios criminosos no campo, mas é basilar que sanções e embargos previstos sejam aplicados nos estritos limites da responsabilidade de quem o comete.
O produtor é a vítima que mais sofre e, tendo equívocos na aplicação de sanções, pode não ter acesso ao crédito rural, impedindo a compra de maquinários de combate ao incêndio, o financiamento do plantio da sua safra e a manutenção da atividade agrícola, situações irreversíveis.
Tal questão não pode se tornar, em hipótese alguma, uma pauta partidária. Vegetação e áreas produtivas destruídas pelo fogo devem ser uma preocupação nacional que ultrapassa divergências ideológicas, pois interferem diretamente no bem-estar da população, sobretudo quando falamos em segurança alimentar.
É inequívoco que qualquer grande empreendimento no mundo precisa de três fatores: financiamento, estabilidade climática e consumo. Nesse aspecto, o Brasil se apresenta como grande protagonista que alia mercado, fontes renováveis e incentivo de produção, afinal, o grande investidor não tem como não contar com o Brasil. Mas a insegurança na aplicação de políticas públicas e a insegurança jurídica podem impactar – e muito – a atratividade para nosso país.
Em ano de G20 e de preparação para a COP 30, precisamos de discurso e prática conciliáveis com as necessidades do país: fortalecer o setor que mostra o Brasil que deu certo e garante a prosperidade econômica de cada família produtora e de cada agroindústria exportadora.
Ainda é tempo de combater os incêndios em 2024, mas já é hora de anteciparmos para a seca de 2025 e garantirmos a aplicação de boas práticas internacionais, como Austrália e Califórnia/EUA, para que o estado faça o que mais é necessário: garantir segurança ao empreendedor rural.
Patrícia Arantes de Paiva Medeiros é diretora executiva da Sociedade Rural Brasileira