sábado, 27 de abril de 2024
Choque de realidade

Choque de realidade

A mudança do sistema de tributação da origem (produção) para o destino (consumo) irá retirar a autonomia dos Estados para concessão de benefícios fiscais

13 de junho de 2023

A discussão no cotidiano político assenta na aprovação ou não do substitutivo das PECs 45 e 110/19. O Brasil, nos últimos 50 anos, aumentou drasticamente as despesas públicas e a carga tributária, sem uma contrapartida à população que, de fato, atendesse suas necessidades nas áreas da saúde, educação e segurança. O tripé envolvendo essas três vertentes deixa muito a desejar para a população.

Diante disso, quando se fala da possibilidade de aprovar uma reforma tributária, o cidadão e o contribuinte imaginam que poderá haver uma redução dessa carga, uma vez que as necessidades de financiamento do setor público serão menores e os serviços a serem prestados melhores.

Haja vista que o mundo passa por uma transformação tecnológica, que beneficia também o setor público. O novo cenário tende a reduzir o tamanho do Estado brasileiro e melhorar a qualidade dos serviços prestados.

Sonhos à parte, voltemos para um choque de realidade, que desanima o cidadão de baixa renda, pois o substitutivo da reforma provocará aumento da tributação sobre a cesta-básica passando de 7% para 25%. O contribuinte, por sua vez, passará a conviver com um sistema de tributação dual: federal e estadual. O federal será compreendido pelo IPI, IR, PIS e COFINS, já o estadual pelo ISS e o ICMS.

Num prazo de dez anos, os atuais impostos federais e estaduais serão zerados, enquanto o Imposto sobre Bens e Serviços, que entrará no lugar dos antigos, subirá para algo em torno de 25%. Nesse período, o contribuinte deverá manter duas escritas, sendo uma para os tributos antigos e outra para o imposto novo.

A situação em tela e o tempo não inferior a 60 dias para haver a compensação tributária, entre o contribuinte e governo, irão elevar o custo operacional das empresas, que serão repassados ao varejo, o que sem dúvida implicará aumento de preços no atacado e varejo, podendo elevar, inclusive, os índices de inflação.

Como se isso não bastasse, tem um item no substitutivo que irá provocar uma reversão econômica brutal nos Estados que integram as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Trata-se da mudança do sistema de tributação da origem (produção) para o destino (consumo). Esse movimento irá retirar a autonomia dos Estados para concessão de benefícios fiscais, importante instrumento para o desenvolvimento regional.

Também reduzirá a receita dos Estados, cujos mercados consumidores são menores, caso específico de Goiás, cuja população é de 7,3 milhões contra o Estado de São Paulo, que tem cerca de 40,0 milhões de pessoas. Não obstante, isso favorecerá a reconcentração de riquezas nas duas regiões mais prósperas do país: Sudeste e Sul.

O  mercado consumidor potencial se encontra  nas regiões Sudeste e Sul, ao perderem o diferencial de frete, investido de benefícios fiscais, se deslocarão para as cidades médias dessas duas regiões. Uma vez que nas capitais existem o que denominamos deseconomias de aglomeração (violência, valorização imobiliária, escassez de recursos materiais e naturais etc.)

O substitutivo acena com a criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional, por lei complementar. No entanto, o histórico de criação de fundos de compensação por parte do governo federal fala por si só. Normalmente não se materializam e, quando o fazem, levam a perdas não inferiores a 30% da receita dos Estados, como se verificou com os resultados da lei Kandir.

O mais sensato é promover uma revisão no ICMS, como propõe o PLP 283/20, em curso na Câmara Federal. Insistir com o texto do substitutivo das PECs, ao invés de favorecer o desenvolvimento econômico, irá prejudicar ainda mais, ampliando as desigualdades sociais e regionais no país, o que não é salutar.

Júlio Paschoal 
é economista e mestre em Desenvolvimento Econômico pela UFU-MG

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