Especialista avalia que a reforma é positiva para o País, mas causa impactos para Goiás, especialmente nos incentivos e setor de serviços.
A reforma tributária que caminha para a aprovação definitiva no Congresso Nacional é um avanço, principalmente porque busca simplificar um sistema extremamente complexo. Mas que causará impactos para Goiás. A avaliação do advogado tributarista Sidnei Pimentel, que possui MBA em Finanças e Controle, que tem em sua carteira importantes grupos empresariais.
Nesta entrevista ao EMPREENDER EM GOIÁS, ele fala, de forma didática e com o uso de diversos exemplos e comparações, sobre os principais pontos da reforma tributária aprovada nesta semana pelo Senado. Embora Sidnei Pimentel destaca que Goiás perderá com o fim dos incentivos fiscais, vê como positiva a desoneração dos produtos da cesta básica.
E faz um alerta: é preciso redobrar a vigilância durante as discussões das leis que vão complementar a Emenda Constitucional da reforma tributária. Elas definirão, por exemplo, os créditos que poderão ser compensados na vigência dos novos impostos.
É inevitável a leitura sob duas óticas, nacional e regional. A reforma caminha para a simplificação, com unificação de impostos, e isso é positivo. Em outro aspecto, ela prioriza o valor agregado, com o contribuinte pagando pelo que ele agrega. Vamos usar o clássico exemplo do sapato: quando compra o couro, a tinta, a linha, há desconto no imposto da matéria-prima sobre a forma de crédito. Da mesma forma, na loja, que paga apenas a parte dela. O último é o contribuinte, que não tem para quem repassar.
Vejo três grupos de interesse na reforma tributária: o que paga (consumidor), o que recolhe (empresário) e o que recebe (Estado). Por que estão tentando há 40 anos fazer essa reforma e nunca saiu? Porque todos querem sair ganhando. O texto aprovado tem ainda um aspecto, de valorizar cada vez mais o valor agregado e evitar o acúmulo, o que é positivo. Deve ser criado um tributo, a Contribuição sobre Bens e Serviços, da União, e o Imposto sobre Bens e Serviços, dos estados. Tiram cinco e deixam dois. Nacionalmente é interessante, representa um avanço significativo.
O que preocupa em relação a Goiás são os incentivos fiscais, que têm data para acabar, em 2032. E o que temos de política de desenvolvimento? O Fundo de Desenvolvimento Regional deve contar com R$ 60 bilhões por ano, o que é pouco. Além disso, não se sabe como ele será gerido para a correção das distorções. Os incentivos acabarão e a tributação será no destino. Precisamos ver agora se na Câmara dos Deputados esse texto será mantido. Um ponto positivo é a desoneração da cesta básica, que será detalhada na legislação complementar. É interessante do ponto de vista do consumidor, principalmente para famílias mais pobres, um estímulo ao consumo. Para Goiás, como produtor de alimentos, será interessante.
Não sabemos ainda exatamente como vai ficar. Hoje temos uma tributação de 7%, em média, sobre os produtos da cesta básica e a reforma vai zerar isso. Para o consumidor e para o produtor é interessante. Se o produto final está isento de impostos, é interessante para o mercado. Goiás terá de dizer como vai compensar a perda de arrecadação com os produtos da cesta básica, sempre lembrando que há uma transição até 2032.
Sim. Em 2026, acabam o PIS, a Cofins e o IPI. No período de quatro anos de 2029 a 2032, haverá a migração do ICMS e do ISS. A transição segue até 2033, quando estreia o novo modelo.
“Por que estão tentando há 40 anos fazer essa reforma e nunca saiu? Porque todos querem sair ganhando.”
Tenho uma preocupação grande com as empresas do setor de serviços. Hoje a alíquota máxima de ISS é de 5%, cheia, sem nenhum crédito. Não sabemos qual será a alíquota do IBS. Suponhamos que seja de 25%. Ocorre que os prestadores de serviço não têm créditos para abater, a mão de obra não gera crédito. Tomemos como exemplo um contador. A despesa dele é basicamente com salários. O que vai sobrar para converter em crédito e abater, água, energia? São valores muito pequenos. No Senado foi aprovado um rebate de 30%. Mas um rebate nessa proporção sobre uma alíquota de 30% ainda vai resultar em uma alíquota real de 21%. Essa é uma grande preocupação porque é um setor que emprega muito. Pode-se sugerir uma fuga para o Simples, mas esse regime não cabe para todos. A situação dos prestadores de serviço é outra preocupação em relação a Goiás e à Região Metropolitana de Goiânia, ao lado da questão do fim dos incentivos fiscais.
Não deve complicar tanto. Só questão de destaque e as empresas terão tempo para se adaptarem, são sete anos. Vamos a mais um exemplo. A Mitsubishi, quando se instalou em Catalão, não tinha como meta principal vender para Goiás, que representa em torno de 5% das vendas de caminhonetes. O alvo são os outros estados. Digamos que hoje esses veículos têm alíquota de 18%, dos quais 12% ficam em Goiás e 6% no destino. Sobre esses 12% o estado renuncia a 70% dos impostos devidos, por meio de incentivos fiscais, para ter os 30% restantes. Quando começar a valer a regra de tributação no destino, cada veículo desse vai embora sem deixar um centavo no estado. Por outro lado, sem incentivos, o estado passará a cobrar o imposto cheio de todos os que vierem para cá.
A pressão para manter os incentivos sobre tributos federais continua, principalmente para veículos fabricados fora das regiões Sul e Sudeste. Isso é bom para Goiás. Essa é uma briga gigante em que Volkswagen, GM, Toyota e Renault/Nissan estão no Sul e Sudeste e as demais as outras regiões, principalmente a Stellantins, grupo que é dono da Fiat, Jeep, Citroën e Peugeot, que fica em Goiana (PE), e outras menores, como Caoa, Mitsubishi e BYD.
A expectativa é que a Emenda Constitucional seja encerrada neste ano. Em 2024, passada essa fase, virá a parte realmente mais importante, a legislação complementar. Porque é ela que vai definir detalhes legais, como a restrição a determinados tipos de créditos para compensação. Precisamos ficar muito atentos. Recomendo fortemente que todo o setor produtivo acompanhe isso, especialmente o sistema de compensação de créditos. Quanto menos crédito, mais pesada será a carga tributária. Uma analogia é com as deduções do Imposto de Renda. Os créditos são semelhantes a esses abatimentos, por isso essa discussão é tão relevante.